Estrela formada de hélio pode finalmente explicar formação dos magnetares
Por sandro
Publicado em 20/08/23 às 06:52
O enigma que envolve a estrela HD 45166 tem intrigado os astrônomos por um século. O Dr. Tomer Shenar, impulsionado por uma fascinação profunda por sua existência, dedicou anos de pesquisa na tentativa de desvendar os mistérios que a envolvem. Em meio a essa investigação, Shenar pode ter lançado luz sobre um enigma ainda mais grandioso: a origem dos campos magnéticos mais intensos do universo.
HD 45166 é uma estrela do tipo Wolf-Rayet, uma categoria de estrelas excepcionalmente ricas em hélio e notoriamente as mais quentes conhecidas, sendo, no caso desta estrela, quase 10 vezes mais quente que o Sol. O calor intenso emitido por essas estrelas, embora raras, desempenha um papel crucial na produção dos elementos mais pesados do universo.
As estrelas Wolf-Rayet são notáveis por suas características peculiares, mas HD 45166 se destaca com suas propriedades únicas, incluindo uma assinatura espectral que desafia a compreensão convencional.
Esta estrela se tornou uma espécie de obsessão minha, confessou Shenar, da Universidade de Amsterdã.
Lembro-me de ter tido um momento de epifania ao ler a literatura: ‘E se essa estrela for magnética?
Para investigar essa intrigante possibilidade, Shenar e sua equipe utilizaram o Telescópio Canadá-França-Havaí para examinar HD 45166 em detalhes sem precedentes. Suas observações incluíram a busca por polarização e linhas espectrais divididas, indicadores de campos magnéticos poderosos. Ao combinar essas observações com dados de arquivo de outros instrumentos, eles revelaram características anteriormente desconhecidas da estrela, a mais importante sendo a presença de um campo magnético incrivelmente forte, medindo 43.000 Gauss.
Para efeito de comparação, o campo magnético da Terra é de aproximadamente meio Gauss, enquanto um ímã de geladeira possui cerca de 50 Gauss. Essa magnitude de campo magnético tornaria inseguro qualquer dispositivo eletrônico sensível nas proximidades.
No entanto, esse valor está longe de ser um recorde. Os magnetares, uma classe rara de estrelas de nêutrons, ostentam campos magnéticos na faixa de centenas de trilhões de Gauss, uma discrepância surpreendente em relação ao restante do universo. Até agora, os astrônomos não conseguiram elucidar como esses campos magnéticos extraordinários se originam e por que algumas estrelas de nêutrons são tão magnéticas, enquanto outras não o são. No entanto, Shenar propõe que HD 45166 possa fornecer uma pista crucial nesse quebra-cabeça cósmico.
Como outras estrelas Wolf-Rayet, HD 45166 é suficientemente massiva para eventualmente se tornar uma supernova. De fato, esse momento está se aproximando, em termos astronômicos, pois a estrela já esgotou grande parte de seu hidrogênio e, por isso, é enriquecida em hélio. Quando terminar de fundir a maior parte de seu hélio em elementos mais pesados, seu núcleo entrará em colapso e resultará em uma explosão, deixando para trás uma estrela de nêutrons.
Devido à densidade extrema da estrela de nêutrons, superior à de qualquer coisa que não seja um buraco negro, seu campo magnético colossal será amplificado em comparação com o de HD 45166 na fase atual. Essa concentração de magnetismo em um espaço mais restrito é muito provável de criar um magnetar, uma estrela de nêutrons com um campo magnético extremamente poderoso. Embora possa parecer surpreendente que um campo magnético possa sobreviver a uma explosão tão cataclísmica quanto uma supernova sem ser destruído, os modelos de evolução estelar sugerem que esse é precisamente o desfecho esperado.
Isso ainda deixa a intrigante questão de por que algumas estrelas possuem campos magnéticos tão excepcionalmente intensos desde o início. A chave para a solução desse enigma pode residir na hipótese de Shenar de que HD 45166 se formou a partir da fusão de duas estrelas que evoluíram em uma órbita extremamente estreita, compartilhando suas camadas externas até que a sua órbita eventualmente decaísse, levando à sua fusão.
Este notável achado representa a primeira identificação de uma estrela massiva de hélio como sendo magnética, o que poderia desencadear uma corrida científica para determinar quão comum essa peculiaridade realmente é no cosmos. Como Shenar ressalta, “é empolgante descobrir um novo tipo de objeto astronômico, especialmente quando esse objeto estava escondido à vista de todos”.
À medida que a pesquisa progredia, Shenar e sua equipe fizeram outras descobertas intrigantes sobre HD 45166. Embora já fosse conhecido que esta estrela faz parte de um sistema binário, observações mais detalhadas revelaram que a distância entre HD 45166 e seu companheiro é mais de 50 vezes maior do que se acreditava anteriormente, eliminando a possibilidade de interações que removeriam suas camadas externas. Além disso, HD 45166 se revelou um tanto mais leve do que o previsto, com cerca de duas vezes a massa do Sol, uma anomalia considerando que todas as outras estrelas Wolf-Rayet têm pelo menos 8 massas solares.
HD 45166 está localizada a uma distância de aproximadamente 3.000 anos-luz da Terra, o que a torna segura o suficiente para não representar uma ameaça direta, quando eventualmente se tornar uma supernova, provavelmente dentro de algumas dezenas de milhares de anos. No entanto, essa proximidade suficiente nos proporcionará um espetáculo astronômico digno de admiração quando o evento ocorrer.
Os resultados dessa pesquisa fascinante foram publicados na revista Science, abrindo novas portas para nossa compreensão da complexidade das estrelas massivas e magnéticas, assim como nos incitando a explorar mais profundamente os segredos ocultos nas vastidões do universo.